Onde a corda marca o tempo: os Molinhas das Taipas transformam salto em espetáculo

No pavilhão das Taipas, o primeiro som não vem de apito nem de bola. São cordas a cortar o ar, num ritmo que só parece simples para quem nunca tentou acompanhar. “Um-dois-três”, pausa, troca de mãos, avanço. As sapatilhas funcionam como metrónomos, o som das palmas fecha compassos. Aqui, o salto à corda deixou há muito de ser um recreio infantil: é gramática, é coreografia, é competição.

Foi neste compasso que nasceram os Molinhas, nome pelo qual é conhecido o Clube de Rope Skipping das Taipas. Um projeto que começou em 2009, numa escola, e que hoje soma títulos nacionais e europeus, dezenas de atletas e uma missão que vai muito além dos resultados.

Da escola ao clube

“O projeto iniciou-se como atividade do Desporto Escolar, em 2009, na EB 2,3 das Taipas”, recorda Sandra Freitas, professora de Educação Física e presidente da direção do clube. “O entusiasmo foi crescendo, o número de praticantes também. Mas cedo percebemos que, para ser levado com seriedade, precisávamos de uma estrutura sólida.”

A formalização chegou em 2015, com o registo oficial do clube e a criação de uma direção comprometida com um plano a longo prazo. “Trabalhámos sempre para transformar isto num projeto duradouro e competitivo, mas sem perder a base: a educação e os valores”, sublinha.

Hoje, os Molinhas têm 73 atletas ativos, dos 6 aos 49 anos. A taxa de retenção ronda os 80 a 85%. Dividem-se em minis, benjamins, infantis, juniores, seniores e até veteranos. “Os mais novos começam aos seis ou sete anos, os benjamins são os mais numerosos. Depois seguem para infantis e juniores, quando chegam as primeiras experiências competitivas. Os seniores entram nos escalões de maior exigência. E temos também um grupo de veteranos, mais focados no bem-estar físico do que no pódio”, descreve Sandra.

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Educação, performance e comunidade

Questionada sobre a missão do clube, Sandra não hesita: “A nossa base é sempre a educação, com valores e sentido ético. Queremos transmitir cooperação, companheirismo, fair play. Mas também não negamos que a performance faz parte da nossa identidade. O segredo está no equilíbrio entre educação, comunidade e rendimento desportivo.”

Esse equilíbrio ficou patente na participação no Europeu de 2024 em Eger, Hungria. “Foi uma experiência gratificante. Pela primeira vez conseguimos preparar uma competição internacional com antecedência. No escalão de juniores conquistámos quatro medalhas, nos seniores mais dez, sobretudo nas provas de velocidade. Ficou claro que Portugal é referência europeia nesta vertente. Já no freestyle ainda temos muito caminho a percorrer para rivalizar com Bélgica, Alemanha ou Hungria”, admite a dirigente.

O treino e os desafios

Se os resultados não enganam, a exigência também não perdoa. Ângelo Santos, coordenador técnico, reforça o ponto: “Nos últimos anos conseguimos impor o nome de Portugal na velocidade masculina. Somos recordistas europeus no SR4x30 e ganhámos ouro no Double Dutch. Hoje sabemos que os adversários olham para nós com respeito.”

Mas transformar finais em medalhas exige mais do que talento. “Percebemos que, quanto mais cedo começamos a preparação para uma competição internacional, melhores são os resultados. Mas muitos atletas são estudantes ou trabalham a tempo inteiro. Falta-nos o reconhecimento oficial de atleta de alta competição, que lhes permita negociar horários com escolas e entidades patronais. Compromisso e talento temos de sobra, mas precisamos desse enquadramento”, explica.

As infraestruturas também pesam. “O essencial é o piso e material de ginástica para treinar freestyle. Nas Taipas temos boas condições na Escola Secundária, mas não é o ideal para treinos de elite. Mesmo assim, trabalhamos com o que temos”, acrescenta Ângelo.

Espetáculo e preconceitos

Se a velocidade é a face mais objetiva, o freestyle é o lado mais artístico. Gabriel Ferreira, atleta, campeão europeu e recordista, descreve: “Na velocidade o objetivo é simples: fazer o maior número de saltos no tempo da prova. É explosão física, técnica e foco absoluto. No freestyle, o corpo transforma-se em pauta: combina-se ginástica, dança, múltiplos, largadas, acrobacias. É espetáculo e expressão artística.”

A popularidade do rope skipping ainda enfrenta preconceitos. “Muitos acham que é só um jogo de recreio, mas a nível competitivo exige treinos intensos de força, velocidade, coordenação. Outro mito é que é um desporto para meninas, quando na verdade há mais rapazes a competir no mundo. E saltar com duas cordas? Parece impossível, mas depois de um treino já toda a gente consegue. E é viciante”, garante Gabriel.

Sustentabilidade e futuro

Se no plano desportivo o clube cresce, no plano financeiro os obstáculos são maiores. “O município de Guimarães é o nosso maior financiador, através do regulamento de apoio ao desporto. Também temos patrocinadores e organizamos eventos de angariação. Mas ainda não chegámos ao ponto de os atletas não terem de pagar do bolso para competir em Europeus ou Mundiais. Trabalhamos para mudar isso”, explica Sandra.

E o futuro? Ângelo Santos evita individualizar talentos: “Temos jovens a treinar muito bem e que vão atingir resultados importantes. Mas acreditamos no coletivo, não em estrelas isoladas.”

Gabriel Ferreira olha para a visibilidade: “A modalidade tem tudo para crescer em eventos multi-desportivos. É espetacular, envolve o público, é moderna. Quanto mais a mostrarmos, mais pessoas vão perceber o seu potencial.”

Uma corda que une gerações

Nos Molinhas, o salto à corda é mais do que uma disciplina. É um laço entre gerações: dos minis que começam aos seis anos aos veteranos que encontram no desporto energia para o quotidiano. É também um projeto comunitário, que educa tanto quanto treina.

No pavilhão das Taipas, as cordas continuam a desenhar música no ar. Cada salto é ensaio, cada queda é lição, cada vitória é coletiva. A história dos Molinhas mostra que o salto à corda não é apenas brincadeira: é arte, ciência, competição — e sobretudo, um projeto de vida.

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