Reportagem: A dor e o luto dos adeptos à espera de um milagre para salvar o Boavista

Os adeptos do Boavista estão muito preocupados e receosos do futuro do clube, um dia depois de o histórico emblema nortenho ter falhado a inscrição nas provas profissionais, enfrentando uma queda administrativa para a Liga 3 de futebol.

Despromovido à II Liga em maio, quando encerrou a edição 2024/25 da I Liga no 18.º e último lugar, com 24 pontos, e interrompeu um percurso de 11 épocas seguidas na elite, o Boavista podia inscrever-se nas competições tuteladas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) até quarta-feira, cenário que não ocorreu e implicará a queda administrativa na Liga 3, organizada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Na entrada do café em Ramalde, uma das várias extensões do negócio familiar iniciado há 60 anos, praticamente do outro lado da rua, na tasca mais antiga da cidade do Porto, Maria de Lurdes está atenta a todos os detalhes, sem mãos a medir para tantas solicitações dos clientes.

Muitos deles são boavisteiros e querem saber se “a Lurdinhas ouviu as notícias” sobre esta “nuvem super-escura” que se abateu sobre o clube.

Trocam-se palavras e argumentos, numa dialética semelhante a um jogo de xadrez, em que se movimentam e sacrificam peças na esperança de escapar ao aparentemente inevitável xeque-mate ao Boavista.

“É uma tristeza muito grande. Tive medo mais para o fim da época, mas sempre pensando que alguém podia deitar a mão. Sabe, o Boavista fez bem a muita gente e muita dessa gente podia agora retribuir e não o faz. Nunca quis nada e ajudei sempre o Boavista”, disse Maria de Lurdes, em declarações à agência Lusa.

A boavisteira tem camarote no Bessa, pagando as quotas de um filho e do falecido marido, cumprindo um dos seus últimos desejos em vida, e não consegue esconder a mágoa.

“Calcaram-nos bem quando nos desceram, mas agora é mais doloroso, porque nessa altura tínhamos estruturas capazes para nos reerguermos, como fizemos”, argumentou, sem deixar de dizer que “o Boavista efetivamente deve a muita gente”, da mesma forma que “muita gente também deve dinheiro ao Boavista”.

Maria de Lurdes, de 77 anos, conhece bem as figuras, os figurantes e os figurões do centenário emblema pelo qual se enamorou ainda adolescente, com apenas 17 anos, contrariando a paixão portista da maioria da família, mas reserva-se ao direito de não apontar os dedos todos.

“Houve muita gestão que nos prejudicou, entre acionistas e alguns que por lá passaram, mas, olhe, durante 40 anos, nunca passámos mal com o Valentim Loureiro. Se ele tivesse menos uns 15 anos”, desabafou, num elogio acompanhado pela metade por Manuel Aguiar.

Sócio 174 do Boavista e um dos mais de 260 credores do clube, responsável por uma conhecida agência viagens, destacou “o bom coração do Major”, ainda que “um homem difícil de trabalhar”.

O octogenário não estendeu, no entanto, os elogios ao filho, João Loureiro, lembrando, no que pôde contar, o negócio frustrado proposto por uma conhecida marca detentora de outros clubes, como os alemães do Leipzig ou os austríacos do Salzburgo.

“As punhaladas desta situação atual são maiores e mais dolorosas do que foram as das viagens. Ontem [quarta-feira], quando vi a notícia na televisão, as lágrimas correram-me pela cara abaixo, e isso é uma dor que só os verdadeiros boavisteiros sentem”, disse Manuel Aguiar, à Lusa.

O futuro é pessimista e uma outra cliente e boavisteira alvitrou até que, “em surdina, mas há muito tempo, fala-se que empreendimentos imobiliários vão nascer no atual recinto do Bessa”.

Maria de Lurdes é uma mulher de fé e invoca o desespero de quem tenta fugir à morte para apelar a um milagre.

“Não se falou que o Cristiano Ronaldo queria comprar um clube?! Infelizmente, acho que isto só lá vai com um milagre de Nossa Senhora de Fátima, como no penálti do Reisinho no último minuto de jogo, há dois anos”, afirmou, penitenciando-se, depois, por ainda dever a promessa feita na ocasião.

Com a voz embargada pela emoção e as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto, a proprietária da famosa Badalhoca confessou que gostava de poder fazer mais pelo Boavista, numa paixão só repartida com o Ramaldense.

“Se tivesse as minhas pernas, juro-lhe que me deitava ao caminho e de chapéu na mão, se fosse preciso, ia pedir para salvar o Boavista”, concluiu.

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